Liberdade ou algoritmo? A batalha pela escrita

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Vivencia-se uma era em que a escrita pode ser facilmente terceirizada a algoritmos. Com algumas frases soltas, asinteligências artificiaisassumem a tarefa de elaborar textos inteiros no tom desejado. Contudo, ao mesmo tempo em que essa tecnologia amplia a produtividade, também ameaça diluir a essência da crítica, da originalidade e da liberdade de expressão.

Um dos princípios centrais doliberalismoé a defesa da liberdade individual — o que inclui o direito de escrever, de se expressar e de divergir. No entanto, os sistemas de inteligência artificial não operam sob essa mesma lógica: incorporam filtros pré-definidos, evitam posições contundentes e produzem textos padronizados, mais palatáveis e menos polêmicos. O resultado é um discurso suavizado, que mascara a autenticidade e enfraquece a pluralidade de ideias.

A história recente demonstra que aliberdade de expressãocontinua sob constante ameaça. Em 2021, por exemplo, o governo russo censurou veículos de imprensa e prendeu jornalistas por críticas à guerra, evidenciando como regimes autoritários buscam controlar narrativas. No Brasil, episódios de remoção arbitrária de conteúdos em redes sociais suscitam debates sobre até que ponto decisões centralizadas podem definir o que é ou não permitido dizer. Tais casos reforçam a necessidade de proteger o direito individual de expressão contra qualquer forma de monopólio discursivo, seja estatal ou tecnológico.

Há também exemplos de textos gerados por inteligência artificial que resultaram em prejuízos concretos. Em 2023, advogados emNova Yorkapresentaram à Justiça petições com citações falsas criadas por IA, prejudicando clientes e expondo os riscos de confiar cegamente nessas ferramentas. Outro caso notório envolveu a revistaSports Illustrated, que publicou artigos escritos por IA e atribuídos a autores inexistentes. Em ambos os episódios, a ausência de responsabilidade individual foi evidente: delegou-se o julgamento crítico à máquina, e o custo foi a perda de credibilidade.

A escrita deve ser compreendida como um exercício de liberdade e de responsabilidade. A leitura de textos densos, o confronto de argumentos e o diálogo com ideias divergentes fortalecem a autonomia intelectual. Quando se opta por versões simplificadas fornecidas por sistemas de IA, renuncia-se não apenas à autoria, mas também ao esforço cognitivo que forma a capacidade crítica.

O pensamento liberal ensina que a liberdade está intrinsecamente ligada à responsabilidade. O uso de inteligências artificiais como ferramentas é legítimo, desde que não substitua o dever de pensar, avaliar e assumir as consequências do que é produzido. Caso contrário, instala-se a contradição de uma sociedade em que currículos são redigidos por IA para serem avaliados por outras IAs, criando um círculo vicioso que distancia o indivíduo de sua responsabilidade pessoal e de sua autenticidade.

A escrita autoral mantém seu valor precisamente por ser insubstituível como expressão de singularidade, propriedade intelectual eresponsabilidade individual. A tecnologia pode servir como apoio, mas jamais deve converter-se em muleta para a abdicação da liberdade de escrever — que, em última instância, representa a liberdade de ser dono das próprias ideias.

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