Com a sanção da Lei nº 14.790/2023, o Brasil iniciou um processo de regulação dasapostas esportivas, conferindo algum grau de legalidade a operações que, por anos, funcionaram em uma zona cinzenta jurídica. No entanto, a velocidade da expansão desse mercado — estimulado por ações de marketing agressivas e pelo apelo popular dos jogos — ultrapassou a capacidade do Estado de estabelecer mecanismos eficazes de fiscalização e responsabilização.
A responsabilidade civil por danos materiais e morais, prevista nos artigos 186 e 927 do Código Civil, pode recair tanto sobre os prestadores de serviço (casas de apostas) quanto sobre os intermediários (influenciadores), especialmente quando estes atuam de forma negligente ou contribuem para práticas enganosas.
No caso deVirginia Fonseca, sua convocação à CPI dasbetsnão implica, por si só, culpa ou dolo. No entanto, abre precedente para questionar a extensão da responsabilidade de figuras públicas na promoção de produtos e serviços potencialmente danosos.
Não se trata de censurar a liberdade de expressão ou a livre iniciativa, mas de reforçar a ideia de que toda liberdade carrega consigo o dever de responder pelos seus efeitos. Influenciadores digitais, ao emprestarem sua imagem para campanhas de apostas, tornam-se agentes de mercado e, como tais, devem observar os deveres de diligência e informação.
A ausência de transparência quanto aos riscos envolvidos ou a criação de falsas expectativas sobre ganhos financeiros pode configurar ato ilícito, ensejando indenização por danos morais e materiais.
Já no que diz respeito às empresas do setor, a responsabilidade civil se agrava quando há falhas no dever de informar ausência de controle de acesso por menores ou uso de práticas abusivas de captação. O Código de Defesa do Consumidor é claro ao determinar que o fornecedor responde objetivamente por falhas na prestação de serviço, mesmo que não tenha agido com dolo.
É papel das casas de apostas adotar políticas decompliancerobustas, com mecanismos de verificação de idade, limites de depósito, autoexclusão e alertas sobre os riscos do jogo patológico. Ao negligenciar essas medidas, as empresas assumem o risco de serem responsabilizadas judicialmente pelos danos causados a usuários e seus familiares.
Aliberdadede empreender é condição essencial para o progresso social e econômico. Contudo, essa liberdade não é sinônimo de ausência de regras. Pelo contrário: ela só se sustenta em um ambiente institucional em que contratos são respeitados, informações são claras e os agentes de mercado agem com responsabilidade.
A atuação ética no setor de apostas — tanto por parte das empresas quanto por seus promotores — não é apenas uma exigência legal, mas uma condição de legitimidade perante a sociedade. O mercado, para prosperar de forma sustentável, deve ser capaz de autorregular-se e de responder, de forma transparente e efetiva, às demandas de consumidores e órgãos de controle.
A maturidade institucional do setor dependerá da articulação entre regulação estatal, autorregulação empresarial e consciência individual de quem ocupa posição de influência.
Neste contexto, a liberdade deve caminhar lado a lado com a responsabilidade civil — não como um obstáculo à inovação, mas como garantia de um ambiente de negócios saudável, previsível e justo.